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27/09/2009 - Queremos um novo projeto de Estado para os povos negros e indígenas, afirma militante do MNU
Diretor da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ e militante do Movimento Negro Unificado, Osvaldo Sergio Mendes (foto) explica o projeto de reparações.

Diretor da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ e militante do Movimento Negro Unificado, Osvaldo Sergio Mendes (foto) explica o sentido e o conteúdo do projeto de reparações reivindicado pelos povos negos e indígenas do país, e que foi parte dos debates travados durante o Congresso de Negros e Negras do Brasil, realizado este ano em Porto Alegre (RS).

Pergunta – como está a articulação entre as comunidades negra e indígena na busca e luta por reparação?

Osvaldo – é uma luta árdua que travamos para nos constituirmos numa força política, pois só assim conseguiremos avançar e forçar o Estado a negociar conosco. Queremos um novo projeto de Estado e nação para os povos negros e indígenas porque é dessa forma que teremos uma sociedade que atenda a nossas necessidades, o que é totalmente diferente das políticas de ação afirmativa, que são políticas compensatórias. Por isso que lutamos por reparação, que é a reparação por um crime imprescritível (a escravidão) que até hoje tem conseqüências nefastas sobre todos nós. Veja por exemplo como o trabalho, em geral, e o trabalho manual, em particular, ainda hoje são vistos na nossa sociedade de forma depreciativa. Isto é um resquício da formação social escravocrata que tivemos, na qual os senhores de engenho e a Casa Grande viviam às custas da exploração do nosso povo. É uma mentalidade da Casa Grande que se perpetua no tempo e no espaço, embora muitas vezes não seja tão visível assim.

Pergunta – a ciência já comprovou que, do ponto de vista genético, não existem raças e que tal conceito foi uma invenção das ideologias racistas para ‘justificar’ a opressão sobre negros, índios, judeus e povos asiáticos. Apesar disso, o racismo é um fato e continua entranhado. O que fazer para acabar com ele? Como educar as novas gerações numa cultura não racista?

Osvaldo – é preciso, primeiramente, que cada um de nós se sinta responsável pela criação de uma consciência anti-racista. Nas escolas, por exemplo, devemos resgatar a auto-estima do nosso povo, estimulando também o estudo das nossas raízes, como no caso da história da África e das comunidades e povos indígenas. O Brasil precisa redescobrir suas raízes e perceber como são belas as culturas negra e indígena, como são ricas em conteúdo, e como fazem parte de nossa identidade fundamental enquanto nação.

Pergunta – em 1941, o escritor austríaco Stefan Zweig*, que chegara ao nosso país fugido do nazi-fascismo, lançou seu famoso livro ‘Brasil, país do futuro’, no qual afirmava ‘não perceber, aqui, a existência de discriminação racial’. Ele, de alguma forma, foi ‘enganado’ pelo racismo à brasileira?

Osvaldo – com certeza, pois o que Zweig percebeu foi apenas o mundo das aparências da sociedade brasileira, um mundo no qual o racismo tem várias faces, começando pela invisibilidade. Ele combatia o nazismo e fugia de uma sociedade como a Alemã dos anos 30, onde a discriminação racial era explícita, e por isso, ao chegar aqui, achou que não tínhamos discriminação, achou que não existia racismo no Brasil. E é aí que mora o perigo. O Brasil, só para lembrar, foi o último país a abolir a escravidão. O fato de não ser explícito e muitas vezes não perceptível à primeira vista não torna o racismo no Brasil menos grave, menos nefasto ou menos perigoso.

Pergunta – cite alguns casos, por favor.

Osvaldo – no dia 25 de setembro deste ano, felizmente a Justiça condenou, a 45 anos de prisão, os  PMs que, em 2005, assassinaram cinco menores no Morro do Estado, em Niterói. O problema é que, embora seja uma vitória da nossa luta por Justiça, este julgamento demorou muito a acontecer e a decisão foi em primeira instância, o que significa que os réus ainda poderão recorrer. Ninguém me tira da cabeça que esses crimes acontecem no Brasil porque as vítimas eram todas negras, pobres, jovens e moradores de favela. E ser negro, jovem e favelado neste país é estar sujeito ao extermínio, como vemos praticado pelos caveirões. Nós, negros e negras, precisamos acabar com isto de uma vez por todas. Neste julgamento, inclusive, militantes do Sindsprev/RJ foram impedidos de ingressar no Fórum com uma camiseta que trazia a inscrição ‘Antes senzala hoje favela’, o que foi um ato de intolerância e discriminação.

Pergunta – este ano, você, através da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ, denunciou a agressão sofrida pelo vigia negro Januário Alves Santana, em São Paulo, como mais um caso bárbaro de racismo. Como está a

Osvaldo – continuamos acompanhando e buscaremos mais detalhes. Na época do ocorrido, em agosto, Januário foi brutalmente agredido por seguranças do Supermercado Carrefour, em Osasco, quando fazia compras com sua família e foi ‘confundido com um ladrão’. O caso comprovou que, infelizmente, o racismo continua forte no Brasil. E que os poderes públicos muito pouco vêm fazendo para combater essa odiosa discriminação.
Pergunta – é o mesmo racismo que está por trás da resistência dos poderes públicos a fazer de Zumbi um feriado nacional?

Osvaldo – exatamente. Mas não é o único exemplo. Temos outros, como a guerra que estão fazendo contra as cotas e no que transformaram o estatuto da igualdade racial, que foi desfigurado pelos parlamentares do DEM, PSDB e da bancada ruralista no Congresso Nacional. Ficou um estatuto vergonhoso, que não contempla as reais demandas do povo negro no Brasil. O estatuto que querem aprovar não é o que desejamos.

*Saiba quem foi o escritor Stefan Zweig

Nascido em 28 de novembro de 1991 e falecido em 23 de fevereiro de 1942, em Petrópolis, Estado do Rio, o escritor austríaco Stefan Zweig era de ascendência judaica, humanista, pacifista e crítico do nazi-fascismo, cujo regime proibiu e queimou seus livros em praça pública. Em 1934, Zweig iniciou sua peregrinação pelo mundo. Inicialmente radicado na Inglaterra, que lhe concedeu cidadania, Zweig se casou com sua secretária, Charlotte Elizabeth Altmann. Quatro anos mais tarde foi para Nova York e acabou se mudando para o Brasil em 1941. O país o inspirou a escrever "Brasil, país do futuro". Morando em Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro, finalizou sua autobiografia, "O mundo que eu vi"; escreveu a novela "O jogador de xadrez", e deu início à obra "O Mundo de ontem", um trabalho autobiográfico com uma descrição da Europa antes de 1914.
Em 1942, deprimido com o crescimento da intolerância e do autoritarismo na Europa, e sem esperanças no futuro da humanidade, Zweig escreveu uma carta de despedida e suicidou-se com a mulher "Lotte", com uma dose fatal de barbitúricos.

 



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