A violência no campo fez mais uma vítima no Vale do Jaguaribe, área que será irrigada pelo eixo norte do projeto de transposição do rio São Francisco, no Estado do Ceará.
Persiste a violência no campo
Assassinato bárbaro de liderança no Vale do São Francisco
A violência no campo fez mais uma vítima no Vale do Jaguaribe, área que será irrigada pelo eixo norte do projeto de transposição do rio São Francisco, no Estado do Ceará. No dia 21 de abril de 2010, foi assassinado no município de Limoeiro do Norte o líder comunitário José Maria Filho, de 44 anos de idade.
O agricultor e comerciante foi executado com 19 tiros de pistola na estrada que liga Limoeiro do Norte à sua comunidade, Sítio do Tomé, localizado entre o município e Quixeré. Zé Maria era presidente da Associação Comunitária São João Tomé e da Associação dos Desapropriados Trabalhadores Rurais Sem Terra – Chapada do Apodi.
A morte do líder comunitário causou comoção entre os movimentos sociais e organizações populares no Vale do Jaguaribe. De acordo com o padre Júnior, da Diocese de Limoeiro do Norte, Zé Maria era a principal liderança das populações atingidas por grandes projetos de irrigação na região, o que reforça a hipótese de motivação política para o crime. “Ninguém pode dizer quem matou ou quem mandou matar, mas não se pode olhar para isso sem pensar nos conflitos que existem na região”.
Frequentemente, Zé Maria fazia denúncias ao Ministério Público e em meios de comunicação locais sobre as conseqüências dos projetos. Uma de suas principais denúncias estava relacionada à contaminação da água pelo uso de agrotóxicos, difundidos por meio de pulverização aérea. O uso indiscriminado de agrotóxicos causou a contaminação da água consumida por comunidades como Sítio do Tomé e foi responsável também pela morte de muitos trabalhadores nas lavouras. “Está sendo jogado veneno na cabeça do povo há dez anos”, frisa o padre.
O Vale do Jaguaribe conta hoje com um dos maiores projetos de fruticultura irrigada do Ceará, com participação, inclusive, de empresas transnacionais. Segundo o padre Júnior, a chegada desses projetos a partir da década de 1990 intensificou os conflitos por terra e água na região, que ainda registra muitas mortes, sobretudo nas zonas rurais. No entanto, a maioria dos casos nem chega a ser divulgada. “As pessoas têm medo até de falar”.
Com a chamada modernização da economia do Ceará, mais recursos estão destinados à região, concentrados em grandes obras. Entre elas destacam-se, além dos projetos de irrigação, as barragens do Castanhão e Figueiredo, a criação de camarão em cativeiro e a instalação de um parque eólico no litoral.
Os interesses sobre a Chapada do Apodi também estão relacionados às obras de transposição do rio São Francisco, na medida em que a região deverá receber suas águas. O projeto, que integra o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do governo federal, promete levar água para 12 milhões de pessoas no Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Para o engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco João Suassuna, no entanto, as obras não trarão benefícios para a população. “Essa água da transposição não vai ser usada para fins de abastecimento, e sim para fins de agronegócio”.
As investigações sobre a morte de José Maria Filho estão sendo acompanhadas pela Rede Nacional de Advogados Populares – Renap, e por movimentos sociais da região. Além disso, o secretário de segurança de Limoeiro do Norte já teria designado uma equipe para acompanhar o caso.
As organizações sociais na região devem propor, a partir de agora, a federalização do crime, a fim de apressar a elucidação do caso. Para o padre Júnior, porém, é preciso também somar esforços para solucionar os impasses no Vale do Jaguaribe. “Vamos continuar pressionando para que avancem as investigações, mas é fundamental que se enfrentem os conflitos que levaram ao assassinato de Zé Maria”, ressalta o padre.
Denúncia realizada pela Associação dos Desapropriados Trabalhadores Rurais Sem Terra – Chapada do Apodi, ao jornal Brasil de Fato.