Por Gilberto Alcântara da Cruz*
A luta pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais é uma bandeira histórica dos trabalhadores brasileiros. Em 30 de junho de 2009, ela ganhou novo capítulo ao ser aprovada em uma comissão especial da Câmara dos Deputados, por unanimidade, sob a forma da PEC – 231-A, de 1995, que propunha a redução de 44 para 40 horas semanais. A aprovação foi muito comemorada pelo movimento sindical governista (CUT e Força Sindical), que prometia fazer todos os esforços para que a emenda fosse encaminhada com urgência para votação final no Congresso. Faz-se necessário esclarecer, todavia, que a comissão presidida pelo deputado Vicentinho (PT/SP), ex-presidente da CUT, em cuja gestão se fortaleceu no interior daquela central a concepção de sindicalismo propositivo e cidadão, analisou três PECs que versavam sobre o tema da redução da jornada de trabalho. A PEC aprovada pela comissão foi a 231-A, em tese menos agressiva aos interesses do empresariado, rejeitando-se outras duas de conteúdo mais avançado para os trabalhadores. A PEC 271, de 1995, de autoria do deputado Eduardo Jorge, à época do PT/SP, que propunha a redução da jornada diária de 8 para 6 horas e da jornada semanal de 44 para 30 horas semanais, à razão de 1 hora semanal a menos a cada ano. A PEC 271 frisava ainda que essa redução não implicaria em redução salarial. A outra PEC rejeitada foi a 393, de 2001, de autoria do então deputado Inácio Arruda (PCdoB/CE), que, além de reduzir a jornada para 40 horas (a partir de 1º de janeiro de 2002), e para 35 horas (a partir de 1º de janeiro de 2004), estabelecia novos percentuais para o adicional de hora-extra, sendo de 100% nos dias úteis e de 200% nos domingos e feriados.
PT recua para não irritar os empresários
A lógica que orientou a comissão a encaminhar para o plenário da Câmara a PEC 231-A foi a de que, aprovando uma proposta em tese menos agressiva aos interesses patronais, e descartando outras duas mais favoráveis aos trabalhadores, a resistência da burguesia seria menor, facilitando sua aprovação pelo Congresso. Porém, se passou exatamente o contrário. Mesmo com a comissão especial aprovando a PEC 231-A, as organizações patronais reagiram, demonstrando sua intolerância com a aprovação de qualquer direito em favor dos trabalhadores que possa significar uma redução em seus lucros. Brandiram ameaças de que ‘a redução da jornada para 40 horas aumentaria o desemprego, ao elevar os custos das empresas’. Diante da pressão empresarial, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB/SP), membro da base governista e candidato a vice-presidente, sem pretender ofender os interesses da classe que representa, mas premido pelos dirigentes sindicais e de olho nas eleições, apresentou uma saída intermediária: a jornada não mais seria reduzida para 40 horas semanais, mas sofreria uma redução paulatina. No caso, para 43 horas, em 2011; e 42 horas, em 2012. A proposta de Temer não acaba com as horas-extras e tampouco eleva o adicional para elas.
Luta institucional e conciliação de classes
As grandes centrais sindicais, especialmente a CUT e Força Sindical, diante do impasse e da reação patronal, recuaram e desistiram de lutar pela PEC 231-A, sinalizando que aceitam negociar a jornada de 42 horas semanais proposta por Michel Temer. As causas mais profundas desse recuo estão no sindicalismo praticado por essas centrais. Este sindicalismo, crismado de propositivo, troca a luta e a organização dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho por um sindicalismo cuja marca é a institucionalização de suas ações. A pressão organizada dos trabalhadores a partir da base é desviada para o âmbito dos espaços institucionais, para a negociação de migalhas na Câmara de Deputados, arena de luta onde a classe dominante leva larga vantagem numérica e política, pois se trata de um aparelho de Estado aberto à representação de todas as classes sociais, em especial das diferentes frações da burguesia. O sindicalismo propositivo, ao se institucionalizar, reproduz entre os trabalhadores uma cultura de passividade política, na qual deixam de ser os protagonistas da sua história para se transformarem em meros espectadores de uma trama cujo desenlace cabe aos profissionais da política. A institucionalização da luta pela redução da jornada para 40 horas seguiu o mesmo roteiro e acabou por cair nessa esparrela. As grandes centrais e seus porta-vozes na Câmara dos Deputados, especialmente Vicentinho (PT/SP) e Paulinho (PDT/SP), que exibiam disposição de lutar até o fim pela redução para 40 horas, recuaram e decidiram apoiar a proposta intermediária feita por Michel Temer. As grandes centrais e os seus porta-vozes também foram deixados de mãos abanando pelo governo Lula, cuja governabilidade, ao ser garantida por um arco de aliança com partidos claramente representantes da burguesia, especialmente o PMDB, tem como regra não infringir certas condições tacitamente estabelecidas. A principal delas é a de não apoiar projetos favoráveis aos interesses dos trabalhadores.
Centrais recuam e fazem jogo do governo
Até mesmo Dilma Roussef, candidata petista à presidência, apoiada pelas grandes centrais, ao ser perguntada se apoiava a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, declarou: “Eu não posso apoiar nem não apoiar porque não acho que seja uma matéria governamental”. Diante desse quadro, e sem condições políticas para deslocar o eixo da luta pela redução para 40 horas, os dirigentes das grandes centrais foram transformados em garotos de recado, topando assumir, junto ao Congresso, o papel ridículo de lobistas da proposta de redução gradual e paulatina da jornada. Por outro lado, é bom salientar que até mesmo a proposta de redução gradual e paulatina não significa que será aceita pelo empresariado. Declarações de dirigentes de entidades patronais indicam que os capitalistas não aceitam qualquer redução da jornada de trabalho, demonstrando que a atual lógica do capitalismo, pautada na precarização e conseqüente acentuação dos níveis de exploração dos trabalhadores, não admite a ampliação de direitos. No limite, os porta-vozes as classe patronal deixam claro que só aceitam a redução da jornada se esta vier acompanhada de uma redução concomitante dos salários ou, em contrapartida, uma redução na alíquota de contribuição ao INSS. Significa dizer que a proposta de Michel Temer, vice de Dilma, poderá, em nome de um pseudo-consenso, ser ainda mais rebaixada para agradar aos interesses da burguesia.
Relação Estado – Centrais Sindicais: um histórico negativo
No Brasil, e na América Latina como um todo, o histórico da relação das Centrais Sindicais com o Estado é ruim para o conjunto dos trabalhadores. Em geral, a classe dominante, através do aparelho do Estado, utiliza tal relação para transformar a entidade sindical em correia de transmissão de sua política, ora acenando para espaços de poder na política governamental, ora facilitando a obtenção de recursos financeiros. Foi assim com a CGT na era Getúlio, e o mesmo ocorreu com a CGT na Argentina, na era Perón, em que pese o grau de conscientização dos trabalhadores argentinos. Esse mundo de “ilusões” levou a CUT – central fundada com a perspectiva de revolucionar o movimento sindical, combatendo o peleguismo e a estrutura deformada calcada no imposto sindical – a apostar suas fichas no governo Lula, mudando sua política. Por um pseudo-espaço de poder e com uma facilidade ímpar na obtenção de recursos financeiros, deixou-se cooptar pelo governo, transformando-se em seu defensor perpétuo. Em contrapartida, não mais defende a extinção do imposto sindical, recebendo como prêmio os 10% do montante arrecadado por tal imposto no Brasil. O mesmo procedimento se dará na questão da redução da jornada de trabalho. É o governo Lula alimentando o neopeleguismo. A postura das grandes centrais – CUT e Força Sindical – antagônicas no passado e amiguinhas no presente – é peçonhenta. Com espaços cada vez maiores na mídia, vendem a imagem de um possível pacto de interesses adversos entre a classe patronal (em grande parte com mentalidade escravocrata) e os trabalhadores. Apostam na via institucional, que só serve para alimentar os interesses dos que querem o lucro a qualquer preço.
É hora de mudar esse jogo de cartas marcadas
A lição que esta equivocada forma de condução das lutas produz é que os trabalhadores e suas formas de organização, independente do comando dessas centrais sindicais, devem ter consciência de que, não podem, nem devem, estar a mercê da institucionalização de suas reivindicações, e sim da sua capacidade de mobilização. Conduzir as principais bandeiras de luta dos trabalhadores para o foro do Congresso, especialmente num governo covarde e vacilante como o governo Lula, é atrelar o movimento sindical aos interesses da classe dominante. Tal conduta só beneficia o capital, em especial os “empresários” escravocratas.
Gilberto Alcântara da Cruz - Economista e diretor do SINTCON-RJ