Por Hélcio Duarte Filho
Enquanto os governantes brasileiros prometem em acordos internacionais reduzir a emissão de gás carbônico, no Rio de Janeiro o prefeito Eduardo Paes e o governador Sérgio Cabral impõem a construção do “maior lixão do mundo” em Seropédica, pequeno município da Baixada Fluminense vizinho à capital do estado. A denúncia é de integrantes do Fórum de Mobilização contra o lixão, que promoveram um protesto em frente à Câmara de Vereadores do Rio, na Cinelândia, em dezembro.
Os manifestantes disseram que o aterro sanitário que está prestes a ser inaugurado, numa área de 23 quilômetros quadrados, é um “crime ambiental”. A Prefeitura do Rio, com apoio do governo do Estado, quer despejar em Seropédica quase toda a produção de lixo carioca – serão nove mil toneladas diárias. O lixo de Seropédica e de Itaguaí, de dimensões insignificantes se comparadas às do Rio, também irá para o depósito sanitário. O lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, seria desativado, o que acarretará outro problema social: o que vão fazer para sobreviver as milhares de famílias que vivem da coleta de lixo naquela região.
Lixão fere legislação, diz professor
Sob o pretensioso nome de “Centro de Tratamento de Resíduos”, o empreendimento está sob gestão de empresas privadas contratadas pela Prefeitura do Rio. Os integrantes do movimento que tenta impedi-lo, porém, se recusam a falar em “tratamento de resíduos”. Para eles, é um lixão disfarçado, cuja diferença básica se resume ao fato de o lixo ficar coberto e não a céu aberto. “Esse lixão fere várias leis municipais, estaduais e federais, estão cometendo um crime”, diz o professor de engenharia florestal Edvar Oliveira Brito, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Dentre as ilegalidades, ele cita o fato de o aterro estar sendo construído a 70 metros de uma vila em que vivem mais de oito mil pessoas e de cursos de pequenos rios estarem sendo desviados para dar espaço ao lixão.
A área a ser ocupada pelo lixo do Rio equivale a quase 230 campos de futebol e deverá formar uma montanha de 42 metros de altura, algo similar na altura a um prédio de 17 andares. Tudo isso será erguido em cima de um aquífero, a reserva de água potável Piranema, capaz de suprir as necessidades de algo entre 300 mil e 500 mil pessoas. Participaram do protesto moradores de Seropédica, catadores de lixo reciclável de Gramacho, dirigentes de entidades ambientais e vereadores e representantes da Prefeitura de Seropédica, cuja atual gestão contesta a construção do aterro e briga na Justiça para anular a autorização concedida pelo prefeito anterior, que teve seu mandato cassado pela Justiça Eleitoral, por irregularidades nas eleições.
Para o secretário de meio-ambiente de Seropédica, Ademar Quintella, o projeto em curso é “ambientalmente inadequado e socialmente injusto”. Ele disse que a área contém uma das poucas reservas de água na região metropolitana do Rio “livres de contaminação” e é uma “reserva para o futuro”. Segundo ele, é inaceitável se pensar em enterrar lixo hoje diante das possibilidades de reciclagem e de aproveitamento do material orgânico para produção de energia.
A manifestação realizada na Cinelândia, numa sexta-feira de dezembro, foi repleta de simbolismos: ocorreu na data em que se comemoram tanto o Dia Internacional dos Direitos Humanos quanto o do Catador, 10 de dezembro. Além disso, se encerrava em Cancún, no México, a conferência sobre o clima da Organização das Nações Unidas (ONU). “O governo brasileiro anuncia lá que vai reduzir a emissão [de gás carbônico], e [aqui] quer lançar o maior lixão do mundo”, criticou durante o ato Leonardo Morelli, secretário-geral da Defensoria Social, um colegiado de instituições com sede em São Paulo.