Por André Pelliccione
A presidente Dilma e o presidente francês Nicolas Sarkozy, durante assembleia geral da ONUFoto: Roberto Stuckert_Presidência da República
O aprofundamento da crise econômica mundial — primeiro nos Estados Unidos e, mais recentemente, na Europa — é apenas a manifestação mais aparente e exterior de uma crise estrutural muito mais profunda do sistema capitalista, marcada pela combinação de sobreprodução, especulação financeira e excesso de liquidez (moedas ‘legal’ e ‘escritural’) em escala global.
No caso dos EUA, as raízes da atual crise remontam a 1971, quando a maior economia do planeta abandonou o chamado ‘padrão-ouro’ que lastreava a emissão de dólares naquele precioso metal. Em outras palavras, a partir de então os EUA tiveram ainda mais liberdade para emitirem dólares não lastreados em riqueza material concreta, como forma de financiarem seus crônicos déficits fiscal, comercial e de conta corrente. E para financiar também as guerras promovidas pelos EUA no mundo inteiro, como parte de suas políticas imperialistas de agressão contra os povos.
Excesso de liquidez e dólares sem lastro
O resultado foi um excesso de liquidez em dólar sem precedentes. Segundo o jornalista norte-americano e especialista em questões geopolíticas, F. William Engdahl, ‘desde 1971, na Europa e EUA, o sistema dólar é a verdadeira fonte da inflação global’. Ainda de acordo com Engdahl, a provisão de dólares cresceu 55% de 1945 a 1965 e, de 1970 a 2001, já havia crescido 2.000%. Em sua edição de novembro de 2008, o Le Monde Diplomatique Brasil já havia estimado em 1 (hum) quatrilhão a quantidade de dólares excedentes no mundo, correspondente a 20 anos de produção mundial (ver artigo ‘Uma nova geopolítica dos capitais’).
A tal fenômeno somaram-se movimentos especulativos globais, por parte de grandes bancos e agentes financeiros, e a postura dos governos, sobretudo europeus, de também financiarem seus déficits orçamentários por meio de emissão de títulos e moedas sem a correspondente riqueza que os sustentasse. Tudo, obviamente, intensificado por políticas neoliberais que desregulamentaram ainda mais os mercados. A criação do Euro (moeda única européia) não alterou substancialmente esse modus operandi.
Uma crise ‘de novo tipo’ e sem precedentes
As conseqüências notam-se agora, numa crise terminal e de novo tipo que mostra o ‘saco sem fundo’ do capitalismo. As principais economias do mundo não crescem mais porque, estruturalmente, já não é mais possível 'crescer' como em épocas anteriores. A turbulência política, por sua vez, resulta do fato de que governos neoliberais no mundo todo tentam passar aos trabalhadores o ônus e a conta dessa crise, como na Grécia, Portugal, Espanha e Itália, onde felizmente a população vem se mobilizando para rejeitar os pacotes de arrocho e cortes de direitos sociais. Somente a mobilização popular organizada é que, de fato, poderá tornar a correlação de forças desfavorável aos neoliberais e especuladores. Nos EUA, um embrião desse tipo de mobilização já acontece no movimento ‘ocupem Wall Street’.
No Brasil, ao contrário das tentativas do governo de ‘dourar a pílula’, a crise já chegou e cada vez mais se fará presente, como provam o desaquecimento econômico e os cortes orçamentários que, a exemplo de Europa e EUA, também visam transferir o ônus à população por meio de arrocho salarial e perda de direitos.
Com o aprofundamento dessa crise, no entanto, o Brasil coloca-se como provável ‘bola da vez’ num possível ataque especulativo. Aos trabalhadores resta tomar as ruas e não aceitar, em hipótese alguma, que paguem por uma crise que não criaram, e cuja solução só virá com a superação completa da sociedade capitalista.