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14/01/2013 - Com operários dóceis e submissos, Metrópolis apresenta mundo idealizado pela burguesia
Clássico filme do cineasta austríaco Fritz Lang, de 1927, traz utopia reacionária que nega e condena a luta de classes.

Por André Pelliccione

Produção que marcou o expressionismo alemão dos anos 20, o clássico ‘Metrópolis’ (1927), de Friedrich Anton Christian Lang, conhecido como Fritz Lang, é filme de inspiração futurista que, como mensagem central, opera uma negação do conflito de classes na sociedade capitalista, representando, como ‘ideal’ burguês, um operariado dócil, apático, conformado e conciliador.

Ambientada em Metrópolis — cidade do futuro onde os operários vivem e produzem nos subterrâneos e a elite (burgueses), na superfície entrecortada de suntuosas construções e modernos meios de transporte (alguns deles voadores) — a trama começa quando o filho de John Fredersen, o criador de Metrópolis, avista ‘Maria’, a líder dos operários, no momento em que esta, no subterrâneo, pronuncia seu discurso aos trabalhadores.

Com uma fala marcada por alusões bíblicas e um chamado à ‘paz’ entre os irmãos (operários e elite), Maria faz aquele que será o discurso estruturador de toda a trama, baseado na negação do conflito de classe, quando diz que ‘entre o cérebro que planeja (elite) e as mãos que constroem (operários), é preciso haver a mediação, que está no coração’.

Aos operários, que trabalham sob duríssimas e subumanas condições, Maria também diz que ‘devem esperar’ por um mundo melhor. As cenas de Maria falando aos operários fazem alusão ao arquétipo dos ‘cristãos nas catacumbas’, onde, nos primeiros tempos de sua religião, eles se refugiavam para fugir às perseguições movidas pelo Império Romano. Maria, por sua vez, é associada ao arquétipo de Nossa Senhora (Maria, mãe de Deus), em pregação aos crentes.

É essa Maria conciliadora, ‘quase-santa’, defensora da impotência política e da paz entre as classes sociais que tanto encanta Fredersen Filho, ao ponto de levá-lo a descer aos subterrâneos da produção para ‘conhecer’ de perto a dura realidade dos operários, fadados a trabalhar sob uma estafante rotina, cada vez mais ‘maquinizada’ e alienada. Aqui, as cenas referenciam-se à mitologia grega, em alusão a Orfeu procurando sua Eurídice nas profundezas do Hades. Horrorizado com a desumana realidade que encontra nos subterrâneos de Metrópolis, Fredersen tenta então convencer seu pai de que os operários (tidos por ele como ‘irmãos’) não merecem tratamento tão brutal. Tentativa, por sinal, infrutífera.

Substituindo o trabalho vivo dos operários por máquinas

Preocupado com o fato de seu filho ter descido aos subterrâneos da cidade para conhecer a dura realidade dos operários, o criador de Metrópolis, John Fredersen, resolve procurar Rotwang, seu confidente e ‘inventor’. Ao vê-lo, porém, Rotwang logo lhe fala de sua nova invenção, uma máquina que ‘não erra e não se cansa’, sendo, por isso, capaz de ‘superar o trabalho vivo dos operários’. Mostrando-se interessado no invento, John Fredersen lembra, contudo, que procurara Rotwang para lhe pedir conselhos face ao ocorrido com seu filho. Após ouvir a história de Fredersen e suas preocupações, Rotwang propõe então um plano diabólico ao criador de Metrópolis: criar, com seu novo invento, uma ‘nova Maria’ (na verdade um androide replicante de Maria que faria um chamamento aos operários no sentido de que agissem com violência e não mais esperassem por uma vida melhor). O objetivo seria dar a John Fredersen um pretexto para inundar os subterrâneos da cidade e se livrar dos operários, substituindo-os pelas novas máquinas de Rotwang que dispensam o trabalho vivo.

Fazendo-se passar pela verdadeira, a falsa Maria comanda então uma grande assembleia operária na qual incita os trabalhadores a quebrarem as máquinas e a não mais esperarem por melhorias em sua dura condição de vida, o que fazem em seguida, iniciando uma grande inundação nos subterrâneos. Nesse ínterim, porém, o filho de Fredersen, com ajuda da verdadeira Maria, que fugira do cativeiro imposto por Rotwang, consegue evitar o pior, fechando as comportas a tempo de evitar uma destruição total.

Queimando a ‘luta de classes’ na fogueira

Revoltados com o ocorrido, alguns operários, liderados por seu antigo capataz, que rompera com John Fredersen, queimam a falsa Maria na fogueira. Ao presenciar a cena, o filho de Fredersen por um momento se desespera ao achar que é a verdadeira Maria que estaria sendo incinerada. Pouco tempo depois, contudo, a verdadeira Maria irrompe na cena e tudo enfim se esclarece, desmascarando-se a farsa montada por Rotwang, que em seguida morre numa luta corporal com o filho de Fredersen.

Note-se que a imolação da ‘falsa’ Maria numa fogueira faz alusão indireta à queima de supostos envolvidos por bruxaria, promovida pela Inquisição durante a Idade Média. Queima que, para o Santo Ofício, trazia o sentido de ‘purgar’ os pecados do imolado. E que, em Metrópolis, 'purga' o ‘pecado’ de incitação dos operários à revolta contra o capital, como fizera a falsa Maria. O que a fogueira de Metrópolis imola, na verdade, é o próprio processo da luta de classes.

Sensibilizado com os acontecimentos que colocaram em risco a vida de seu próprio filho, John Fredersen cede enfim aos apelos para a construção de uma relação ‘mais humana’ com os operários. É quando ocorre a cena final da trama, retratando o aperto de mãos entre o criador de Metrópolis e o representante dos operários naquele momento, seu antigo capataz, presenciada pelo filho de Fredersen. Cena que reafirma a ideia de que ‘entre o cérebro que planeja e as mãos que constroem, é preciso haver a mediação, que está no coração’, numa apologia da conciliação de classes.

Apesar de ter o mérito de enfatizar o processo de desumanização imposto pela produção capitalista, marcada pela presença cada vez maior do trabalho morto sobre o trabalho vivo, como relatara Karl Marx, Metrópolis é, em essência, um filme reacionário que idealiza uma classe operária dócil e submissa, ao mesmo tempo em que condena, de forma subliminar, qualquer tentativa de conflito com o capital ou de atuação independente da classe operária perante os patrões. É a negação efetiva do proletariado como sujeito político de sua própria história.

Não é à toa que o filme encantou figuras do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista), como Joseph Goebels e o próprio Adolf Hitler, que em 1932 convidaram Fritz Lang para ser o cineasta oficial do III Reich, o que foi recusado. Em 1934, Fritz Lang, que era austríaco, emigrou para os Estados Unidos. A função de cineasta oficial do III Reich foi exercida por Leni Riefestahl, cujo principal filme é o documentário ‘Trinfo da Vontade’, que retratou o VI Congresso do Partido Nazista, realizado em Nuremberg, em setembro de 1934.

 

 

 

 



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