Sinalizações dadas pelo novo presidente na política externa podem comprometer desempenho da economia.
Por Gilberto Alcântara da Cruz*
29 de outubro de 2018, o dia que não quis nascer. O tempo manteve-se nebuloso, sem o sol manifestar-se, sem luz tal qual a nação que recém saiu de um processo eleitoral dividido: entre aqueles que apostavam na discussão democrática como forma de barrar o retrocesso, o caminho rumo à barbárie, retomando o processo de desenvolvimento econômico baseado no tripé ‘educação, saúde e distribuição de renda e riqueza’; doutro lado, o grupo vencedor, os que cultuam a ordem unida, o aparelhamento do governo com militares, o uso da força, caso necessário, com a liberação de armas para a população, tudo para supostamente combater a violência urbana, mas também para garantir a privatização das universidades públicas e a utilização do ensino a distância desde a infância, além do aprofundamento da “reforma trabalhista” e a aprovação da “reforma da previdência” como meta urgente etc.
Para ficar barato, criam um superministério cujo titular, neoliberal de extrema-direita, prega uma aventura, já experimentada e com resultados funestos, vide recentemente nossos hermanos argentinos. Aventura que significa pegar parte de nossas reservas, cerca de US$ 100 bilhões, e especular, já que o valor do dólar está crescendo, quando este atingir o valor de R$ 5,00. Segundo esse “gênio”, captaríamos US$ 500 milhões no mercado, verba suficiente para darmos início a um processo de retomada do crescimento econômico. Simples assim. O super ministério englobaria Planejamento, Indústria e Comércio e Fazenda. Ao super gênio caberia a tarefa de gerar políticas para essas áreas.
A crise do capitalismo no início do século XXI acentuou a nova geopolítica do universo, o centro do capitalismo deslocou-se dos EUA e do Mercado Comum Europeu para a Ásia, merecendo destaque a China e o Japão, em todos os aspectos – financeiro, tecnológico etc. Do ponto de vista das estruturas bélicas, também o século XXI tem demonstrado que as maiores potências encontram-se na Ásia e/ou na Eurásia, daí o desespero ufanista de Donald Trump. Ele sabe que mais de 40% de títulos do tesouro norte-americano encontram-se nas mãos dos chineses, e que qualquer passo em falso pode gerar um caos de grandes proporções na economia americana. Disso o artista Trump tem plena consciência.
Não dá para uma economia como a nossa ousar em falar que reduziria nosso comércio internacional com a China. Seria um desastre, pois atualmente ele é responsável pela absorção de mais de 40% de nossas exportações. Por outro lado, a recuperação da Petrobrás deve-se, em parte, ao aporte de capital feito pela China. É um jogo de interesse, lógico, isto é inevitável no jogo de mercado. O baque que tal medida provocaria no agronegócio e na nossa produção mineral é incomensurável. Nossa economia transformar-se-ia num caos.
Nós, que estávamos superando o pandemônio de vivermos mendigando empréstimos junto ao FMI, nós que estamos olhando o sofrimento dos hermanos argentinos macrinhos. Pelo que preconiza o super gênio, super ministro, juntamente com o presidente eleito, tal caos poderia ser aliviado com a privatização de nossas estatais. Segundo o presidente, a Petrobrás seria “preservada”. Somente a prospecção e a distribuição seriam vendidas; a Eletrobrás, algumas hidrelétricas; boa parte da Amazônia (esta para o agronegócio e para o garimpo legalizado) serviria como fontes de recursos.
Para completar, o nosso Trump, imitando o do tio Sam, resolve abrir um problema sério nas relações internacionais do Brasil. Ao afirmar que transferirá a nossa embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, resolve não reconhecer a luta dos palestinos, gerando assim um clima ruim para os países vizinhos, podendo em conseqüência ter reflexos em nosso comércio externo e nas relações diplomáticas. Só este ano, para lembrar aos incautos, os países árabes já importaram cerca de US$ 11 bilhões de produtos do agronegócio brasileiro, com predominância de proteína animal (frango). O comércio do Brasil com Israel, por outro lado, é inferior à cifra US$ 600 milhões. Ou seja: o Brasil terá muito a perder, em todos os sentidos, mas principalmente no econômico, se Bolsonaro tomar a desastrada e irrefletida decisão de mudar a embaixada para Jerusalém.
Infelizmente não somos uma potência expressiva na geopolítica mundial. Isto posto, não podemos nos aventurar por aí, mesmo porque nossa estrutura é débil e o resultado pode ser catastrófico. O povo brasileiro pode amargar por longo tempo o descalabro de tal aventura.
Por fim, demonstrando a preocupação com o porvir, e sem querer desejar mau a ninguém, uma vez que o insucesso seria terrível para todos, sirvo-me da frase dos assessores neopentencostais do presidente eleito... “O futuro, só Jesus na causa!”
*Gilberto Alcântara da Cruz é diretor do Sintcon-RJ e economista.