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03/12/2019 - CNS: portaria de Bolsonaro restringe atendimento do SUS e é ilegal
Novo modelo de financiamento acaba com o caráter universal do SUS, ao definir os repasses com base no número de pacientes cadastrados.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, classificou a portaria 2.979/2019, do Ministério da Saúde (MS), de ilegal. O documento institui o ‘Programa Previne Brasil’, estabelecendo novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária, ou seja, do repasse de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) para o setor nos estados e municípios. “Com essa decisão, o Ministério da Saúde descumpre a lei e ignora a missão do conselho, que é propor, monitorar e fiscalizar ações na área da saúde”, afirmou Pigatto no último dia 22.

O novo modelo de financiamento acaba com o caráter universal do SUS, ao definir os repasses com base no número de pacientes cadastrados, e não no total da população que pode ser atendida numa determinada região como é hoje. Com isto aponta para uma redução ainda maior dos recursos da saúde. O novo programa deixa de priorizar o ‘Estratégia Saúde da Família’, cujo contato direto permite a prevenção do adoecimento de uma maneira geral, tendo diminuído enormemente a mortalidade infantil.
 
As mudanças abrem brecha para o desvio e redução de recursos, prejudicando a população. Até agora, a verba era ‘carimbada’, com destinação específica. A portaria dá destinação genérica ao dinheiro. A portaria substituiu as seis destinações anteriores por apenas duas. A verba para ações continuadas em cinco áreas – Atenção Básica; Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar; Assistência Farmacêutica; Vigilância em Saúde; e Gestão do SUS – passou a ter uma destinação genérica, denominada “custeio”. Já as verbas para Investimento na Rede de Serviços Públicos de Saúde foram classificadas somente como “investimento”.
 
Para Wanderley Gomes da Silva, integrante do Conselho Nacional de Saúde, “essa flexibilização trocará o orçamento programático pelo pragmático, por causa das dificuldades de caixa dos estados e municípios, e a atenção básica deverá perder recursos”. Silva condenou a portaria por seguir e aprofundar a lógica da Emenda Constitucional 95/16, que congelou os gastos públicos até 2036, significando redução dos recursos nas áreas sociais, sobretudo da saúde e educação, agravando a situação de falta crescente de recursos do SUS. Nesse período, as despesas públicas só poderão variar conforme a inflação acumulada no período de um ano, sendo que máquinas, medicamentos e outros insumos da área variam conforme o dólar.
 
Criticou, ainda, a portaria por dificultar o controle social dos gastos. Para ele, a mudança deveria ter sido discutida antes. “Essa portaria fere a Lei 8.142/90”, disse, citando a norma que trata da participação das entidades representativas da sociedade na gestão do SUS e das transferências intergovernamentais de recursos financeiros para a saúde. Rodrigo Pinheiro, representante da Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids), alertou para o risco de redução nas verbas para programas de prevenção contra a doença e para organizações não governamentais que atuam no setor.
 
Bolsonaro atropela a lei
 
As mudanças ferem o preceito constitucional do controle social, a Lei nº 8.142/1990, que garante a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Lei Complementar n° 141/2012. No dia 13 de novembro, a Mesa Diretora do CNS aprovou, por maioria, e divulgou uma nota afirmando “que medidas legais e cabíveis ao CNS serão tomadas, pois as políticas de saúde não podem ser construídas de forma vertical, sem escuta ao controle social, que é composto pela diversidade crítica do povo brasileiro para que tenhamos um SUS, de fato, participativo e com qualidade”.
 
A proposta do governo vai na contramão das deliberações aprovadas por mais de cinco mil participantes na 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª 8). O relatório da Conferência foi construído a partir das quatro mil e seiscentas conferências que aconteceram em 2019. São essas propostas que devem determinar as do Ministério da Saúde e secretarias de saúde municipais e estaduais.
 
A portaria foi publicada antes de ser apresentada ao CNS, que chegou a encaminhar ofício requerendo que não houvesse pactuação, na Comissão Intergestora Tripartite (CIT), da portaria e que fosse encaminhado o documento técnico oficial da proposta. A solicitação não foi atendida e houve a pactuação da portaria na reunião da CIT em 31 de outubro. O MS também tinha conhecimento que a Atenção Primária estaria na pauta da próxima reunião do Conselho, marcada para os dias 5 e 6 de dezembro.
 
A Câmara Técnica da Atenção Básica (CTAB), criada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 2017, esteve reunida em Brasília no último dia 21 para aprofundar a análise da Portaria nº 2.979/2019 que estabeleceu novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária. Conselhos estaduais e municipais de saúde, comunidade acadêmica, entidades profissionais em saúde, movimentos sociais e populares compõem a câmara.


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