Por Gilberto Alcântara
Ao contrário que afirma o governo Lula, a expansão cada vez maior de monoculturas, seja para exportação (soja), seja para produção de biodiesel (cana-de-açúcar, principalmente), vem prejudicando a produção de alimentos. Desde 1992, a produção de feijão de arroz e de leite, não crescem no Brasi
Os sucessivos governos brasileiros, desde 1992, fizeram a opção por importar arroz e feijão quando havia falta desses produtos – base da alimentação brasileira – no mercado interno. “Como recentemente os países produtores bloquearam suas exportações, o Brasil não tem onde comprar mais e também não tem produzido”.
A crise que se abate sobre os alimentos, é resultado da total incapacidade do mercado para construir uma política mundial de segurança ou mesmo de soberania alimentar. Sua explicação torna-se fundamental, pois com a crise virão os sinais da necessidade de sua própria superação. Vários são os fatores explicativos para se entender a atual conjuntura da falta da produção de alimentos.
Em primeiro lugar, o fato de se estar diante duma crise estrutural no interior do sistema produtivo que o capitalismo adotou no neoliberalismo. Depois da criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO, e do advento da revolução verde, o mundo capitalista adotou um sistema de controle da produção de alimentos baseado no sistema de estoques.
Esta sistemática tinha por objetivo garantir excedentes agrícolas alimentares que permitisse simultaneamente, garantir a oferta de alimentos diante do fantasma da fome, e a regulação de seus preços contra as ações especulativas dos investidores do mercado nas bolsas de valores. O sistema adotado é o da colocação dos estoques no mercado e do império absoluto do livre comércio. Ou seja, o mercado através da disponibilidade dos estoques seria o regulador da oferta da produção de alimentos.
O fato mais interessante e revelador desta crise, é que ela se manifesta no momento em que a produção mundial de alimentos está crescendo. Os indicadores deste crescimento aparecem na safra mundial de 2007/2008, na produção de trigo que apresentou um crescimento de 2,3% sobre a safra passada. Outros grãos como o milho e o arroz, também, apresentaram crescimento nesse período, respectivamente 9,4% e 1,8%. A exceção da soja, a soma dos demais grãos apresentou uma taxa de elevação na produção de 3,9%.
No que diz respeito aos estoques de grãos, a crise se manifesta de forma inversa, apresentando decréscimos. Em relação ao trigo, por exemplo, comparado ao período anterior, ocorreu uma redução de 9,9%. Os estoques mundiais de milho caíram 4,8%; os de soja baixaram em 22%; e os demais grãos, também tiveram seus estoques reduzidos em 16,6%. Apenas os estoques de arroz conseguiram crescer 1,2%.
Trata-se, certamente, de uma crise estrutural, do cerne do modo capitalista de produção em sua versão neoliberal. O capitalismo é incapaz de garantir oferta de alimentos para toda a humanidade. Com a crise revela-se: O fracasso do império da agroquímica, com seus agrotóxicos, na agricultura e a falência antecipada da transgenia como alternativa biológica da garantia de aumento crescente na produção de alimentos.
Em segundo lugar, a opção dos Estados Unidos pela produção do etanol a partir do milho, da mesma forma o caminho seguido pelos países da União Européia em produzir o etanol a partir de grãos. Esta causa, aparentemente conjuntural, pode transformar-se rapidamente em estrutural. A opção dos EUA – hoje o maior produtor mundial de etanol – fez com que uma parte do milho destinado à alimentação humana e à produção de ração animal fosse destinada a produção de etanol.
Este aumento rápido do consumo de milho gerou mecanismos especulativos na queda dos estoques. Por sua vez, essa queda, puxou para cima os preços da soja, trigo e arroz. Aqui um pequeno agravante, os produtores de etanol nos EUA, não plantam a matéria-prima que consomem, compram-na no mercado, inflando seus preços.
Detalhe importante, os EUA não têm mais terras agricultáveis disponíveis para ampliar a produção de milho e continuar mantendo igualmente sua produção de trigo e soja. Acresce-se a essa questão interna dos EUA, o aumento do custo da produção, gerado pelo aumento do preço do barril de petróleo.
Em terceiro lugar, como é do conhecimento geral, toda a produção do agronegócio na revolução verde, está assentada no setor agroquímico – que é comandado pela lógica do preço do petróleo. Com a subida do preço do petróleo, sobe os agroquímicos e também o custo da produção agropecuária e, conseqüentemente, esta pressão age no sentido do aumento dos preços dos alimentos. Já há previsões que o preço do barril de petróleo chegue a U$ 200 (duzentos dólares) antes do final do ano.
Em quarto lugar, à melhoria das condições de vida e, concomitante, o aumento do consumo de alimentos, sobretudo na China e na Índia (os dois países mais populosos do planeta). Estes dois países, têm ampliado a importação de alimentos. Contudo, este não é o principal fator pela elevação dos preços dos alimentos, pois está havendo, a nível mundial, uma aumento no consumo de alimentos.
Especificamente no Brasil, o processo de alta nos preços dos alimentos tem vínculos estruturais e conjunturais. Como conseqüência da crise mundial e da elevação dos preços internacional do trigo, associado ao bloqueio estabelecido pela Argentina em relação às exportações deste cereal para o Brasil. O Brasil é o maior importador mundial de trigo: consome 10 milhões de toneladas, e produz apenas 3 milhões. Dessa forma, o preço do trigo e seus derivados irão sofrer consecutivos aumentos no país.
Para piorar a situação, o Brasil é um dos únicos países do mundo onde se prega a tese do neoliberalismo – os alimentos devem ser oferecidos no mercado a quem puder pagar mais. Essa tese não permite ao país construir uma política de segurança e soberania alimentar. A lógica do neoliberalismo é uma só: manda-se alimentos a quem paga mais, não a quem tem fome. Nem para população brasileira esta oferta fica assegurada.
Exemplo claro dessa política, é que em safras passadas, quando o Brasil conseguiu boas colheitas no mercado interno, significativa parcela delas foram destinadas à exportação. Fato semelhante está ocorrendo este ano com o arroz, cujo preço subiu no mercado externo. Os arrozeiros querem destinar boa parte da colheita para exportação. Agentes do governo chegaram a propor um bloqueio da safra, mas foram obrigados a voltar atrás, pois iria ferir o receituário neoliberal.
Por outro lado, a clara opção do atual governo em incentivar a ampliação das áreas destinadas as monoculturas – principalmente da soja, cana-de-açúcar e eucalipto –, indica que tal situação tende a se agravar. Estudos desenvolvidos pelo IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas, indicam que a opção pelo agronegócio – além de gerar o aumento dos preços dos alimentos, também produz uma economia extremamente frágil e vulnerável.
Tal opção, tem cumprido o papel de prover resultados comerciais expressivos para fechar a conta corrente com saldo, ou seja, exportar muito e a qualquer custo visando um superávit comercial. Essa política econômica, totalmente dependente do mercado externo, está sujeita a baques provocados por oscilações no mercado internacional, seja por força de catástrofes climáticas (furacões, tornados, inundações etc.), seja por problemas no processo produtivo de tais monoculturas.
Assim é que tal opção funcionou bem até o ano passado, o quadro para o ano de 2008 é deficitário. Até o mês de março, as transações correntes ficaram negativas em 4,429 bilhões de dólares, o maior déficit desde outubro de 1998. Estima-se que até o final do ano, tal déficit ultrapasse a marca de 10 bilhões de dólares.
O FMI – Fundo Monetário Internacional apresentou ontem, 01/07/2008, um Estudo em que avalia a dimensão da crise que se abate sobre os alimentos. Baseado nos crescentes aumentos dos preços dos alimentos e do petróleo, o Estudo revela que não haverá trégua: a crise veio para ficar. Adverte que as conseqüências podem ser maiores e piores do que se imagina.
Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI, disse que embora o desafio seja universal, ele é mais difícil para os países de menos recursos:
- Para os países ricos essa crise tem efeitos na inflação e, portanto, afeta o seu padrão de vida. Mas para os países de renda média e baixa, a situação é mais grave, pois uma de suas conseqüências é a fome, a subnutrição;
- Ressalta que os preços do petróleo têm uma carga maior para as nações ricas, mas os dos alimentos castigam mais a maioria dos países, já que absorvem a maior parcela da renda de seus habitantes.
O Estudo alerta ainda que se não houver cooperação mundial para aliviar o problema, por meio de uma resposta coordenada, alguns governos serão incapazes de alimentar a sua população e, ao mesmo tempo, manter a estabilidade de sua economia, sobretudo na África, no Haiti e na Nicarágua.
A ONU, em seu Informe Econômico e Social de 2008, defendeu a revisão do modelo econômico global de desenvolvimento, objetivando fazer frente à atual crise que se espalha dos países mais pobres aos mais ricos. Seus economistas sugerem uma revisão profunda nas políticas agrícolas, para produzir mais alimentos.
Diante de tais argumentos, podemos afirmar que a crise atual é estrutural e revela a incapacidade da agricultura capitalista em garantir a oferta de alimentos a preços baixos, seja à população brasileira, seja à população mundial. Somente uma política agrícola fundada na agricultura camponesa (familiar, pequena e média produção), seria capaz de garantir a soberania alimentar às populações dos diferentes países do mundo. A Reforma Agrária como estratégia de política econômica de produção de alimentos, tal qual reivindica o MST, continua, portanto, na agenda política, e, somente ela pode superar a crise de alimentos.