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13/01/2009 - Do caos anunciado ao Desrespeito
Modelo para outros países, a Engenharia Nacional vive hoje momento dramático para sua imagem, com empreendimentos tipo METRÔ linha 4 de São Paulo.

Por Gilberto Alcântara

Em novembro de 2004, o SINTCONotícias, através do artigo “Engenharia Consultiva: Crônica da morte anunciada!”, denunciou fatos degradantes que estavam ocorrendo nas licitações públicas por conta da Lei 8.666 – aquela em que prevalece o menor preço, a despeito da observância da qualificação técnica das empresas concorrentes. A idéia fixa de um Estado mínimo postulado pelo projeto neoliberal é, certamente, o mote que fez aprovar uma lei que, ao desconsiderar itens como qualidade e segurança, reduz a preços inexeqüíveis os empreendimentos, reduzindo, também, a responsabilidade pelo desastre que tal(is) empreendimento(s) pode(m) gerar.
Num país eivado pela corrupção, como o Brasil, não se poderia esperar outra coisa. O incentivo cada vez maior de iniciativas onde o Estado financia as empresas privadas e estas abocanham o bônus do empreendimento, cabendo ao Estado arcar com o(s) possível(is) ônus. Após uma série de denúncias, o Poder Público e os grandes cartéis nacionais – as grandes empreiteiras, as grandes empresas de engenharia etc., resolveram instituir um novo elemento no processo de licitação pública, o chamado “turn key”, ou seja, um pacote fechado no qual uma empresa e/ou um consórcio de empresas propõe(m) um preço fixo para realização de determinado empreendimento – do projeto básico ao executivo. Integra, também, ao processo a licitação de uma empresa e/ou um conjunto de empresas responsável(is) pela fiscalização e gerenciamento do empreendimento.
Desta forma, o consórcio constituído por cinco das maiores empreiteiras do país (Odebrecht – Andrade Gutierrez – OAS – Queiroz Galvão - Camargo Corrêa – Consórcio Via Amarela) venceu a concorrência para construção da linha 4 do METRÔ de São Paulo. A empresa responsável pela fiscalização e gerenciamento do empreendimento foi a Engemab, pertencente ao engenheiro Marco Antônio Buoncompagno que, entre outros predicados, responde a processo de crimes contra o patrimônio público e corrupção no Estado de São Paulo.

Qualidade mínima

Certamente, como infelizmente vem ocorrendo na maioria dos empreendimentos licitados pela Lei 8.666, o Consórcio Via Amarela sub-contratou, a um preço mais irrelevante, micro empresas (as chamadas gatas) para executarem a obra. Ou, como também ocorre, pressionou seus empregados a trabalharem a ‘toque de caixa’ nesse projeto, sem tempo sequer para checar e/ou revisar o serviço. Se o Consórcio, por conta do preço mínimo, demonstrava pouca responsabilidade sobre o empreendimento, o que esperar de gatas pessimamente remuneradas? Provavelmente sequer realizaram sondagens, muito menos estudos geológicos do terreno.
O menor preço, nesse caso, transformou-se no maior prejuízo imposto à população paulista, à engenharia nacional e à nação. Certamente o preço mal e porcamente daria para construir, decentemente, o bar ‘cospe grosso’ do Seu Manoel, localizado na zona do baixo meretrício, quiçá uma obra de tamanha importância pelo volume de pessoas que envolveria, bem como pelo alto grau de risco, pois a obra se realizaria numa área totalmente ocupada no perímetro urbano, próximo ao rio Tietê.
O desastre ocorrido em 12 de janeiro, que matou nove pessoas, desestruturando lares, desabrigou uma série de famílias que perderam suas residências e comprometeu a estrutura de uma série de edificações próximas ao local da obra. Serve de alerta para o descaso que vem ocorrendo com as grandes obras de infra-estrutura no Brasil. A sociedade deve exigir das autoridades respeito aos direitos mínimos de cidadania.

Argumentos fajutos

Observa-se, por outro lado, que a argumentação inicial do consórcio Via Amarela para justificar o desastre de 12 de janeiro — como chuva recorde — não condiz com a realidade. Nos últimos 10 anos, a cidade de São Paulo, nesse período, vem registrando chuvas de maior intensidade. Outra falta de respeito para com a população.
Nas eleições passadas, as empreiteiras doaram R$ 24,5 milhões – 8,55% das doações a um conjunto de parlamentares eleitos – consolidando-se como o setor que mais financiou campanhas. Há parlamentares que afirmam, como é o caso do Deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que “... Essas empreiteiras, por serem grandes financiadoras, ganham imunidade que depois se transforma em impunidade na fiscalização das obras das quais ganham licitação”. Além de vencer grande parte das licitações de obras, essas empresas têm se beneficiado com o processo de privatização das rodovias estaduais e federais, já que ganharam concessões que lhes permitem explorar a cobrança de pedágios.
O desabamento no METRÔ de São Paulo não é o primeiro desastre ocorrido em obras lideradas por grandes empreiteiras no Brasil. Luiz Dalla Costa, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), afirma que essas empresas procuram executar a obra o quanto antes para maximizar os lucros. Desde abril de 2005, o MAB denunciava que havia constantes vazamentos na barragem de Campos Novos, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Em junho de 2006, a barragem estourou e colocou em risco a vida da população local. A obra era executada por um consórcio constituído pelas empresas Votorantim, Companhia Brasileira de Alumínio, Bradesco e Camargo Corrêa.

Alerta aos brasileiros

A preocupação dos dirigentes do MAB serve de alerta para a população brasileira, pois, com o advento das PPPs – Parcerias Público-Privadas —, o Estado está se retirando de setores estratégicos e entregando a responsabilidade às empresas que visam exclusivamente o lucro. É imprescindível que a Justiça puna, de forma rigorosa, não só as empresas consorciadas, como a fiscalizadora e o Governo do Estado de São Paulo, por permitir tamanho desrespeito aos cidadãos. Da mesma forma, é imprescindível rever os preceitos da lei 8.666, posto que o menor preço tem implicado em maior prejuízo não só para a engenharia nacional, como para a nação.
Foi um ‘milagre’ ter acontecido tal desastre, pois o pânico, a desgraça seriam infinitamente maiores se já estivesse concluída a obra. Lá estava previsto um túnel por onde passaria a linha 4 do METRÔ. Imaginem quantos milhares de pessoas poderiam morrer. Não se pode falar em Estado mínimo quando os cidadãos não têm assegurados os seus direitos básicos. No Brasil, Estado mínimo é sinônimo de sacanagem máxima.      



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