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28/04/2009 - Ditadura chilena foi das mais violentas da América Latina no século XX
Governo do General Augusto Pinochet vitimou até mesmo a família da atual presidente do Chile, Michele Bachelet, cujo pai foi torturado na ditadura.

Na foto de José Cruz/Abr, a presidente do Chile, Michele Bachelet, cujo pai foi torturado pela ditadura Pinochet.

Por André Pelliccione

Governo que comandou o Chile com mão de ferro durante 17 anos, a ditadura militar liderada pelo general Augusto Pinochet foi uma das mais violentas e brutais da América Latina no século XX. Durante seu governo, mais de 3 mil pessoas foram assassinadas sob tortura pelos órgãos de repressão e o exército chileno. A ditadura chilena também torturou e matou milhares de outros militantes, dentro e fora do país. Militar, o pai da atual presidente do Chile, Michele Bachelet (foto), também foi uma das vítimas da ditadura. No exterior, o regime contou com a colaboração das ditaduras da Argentina, do Uruguai e do Brasil, montando a famigerada ‘Operação Condor’, destinada a perseguir militantes de esquerda em outros países. Augusto Pinochet chegou ao poder através de um golpe militar contra o governo do presidente constitucional Salvador Allende, no dia 11 de setembro de 1973, quando o Palácio de La Moneda (‘a Moeda’, em Português) foi cercado por tropas do exército e bombardeado pela Força Aérea. As primeiras agressões à democracia naquele fatídico 11/09 começaram nas primeiras horas da manhã, por iniciativa da Armada (Marinha) Chilena, comandada por um dos principais conspiradores, o almirante Toríbio Merino. Sitiado em La Moneda pelas tropas golpistas, o presidente Allende , após horas de heróica e brava resistência ao lado de um fiel grupo de seguidores, cumpriu sua promessa de ‘governar até o fim’ e ‘não renunciar ao mandato que o povo lhe dera’. Suicidou-se na tarde do dia 11, sem entregar-se aos fascistas que o combatiam.

Torturas e prisões em massa

Milhares de pessoas foram presas e torturadas logo nas primeiras horas após o golpe. Transformado em centro de torturas e execuções, o Estádio Nacional do Chile foi palco da destruição, física e psicológica, do cantor e compositor comunista Victor Jara, entre vários outros militantes que tiveram suas vidas burtalmente ceifadas pela ditadura. O golpe de 11 de setembro de 1973 foi apoiado tacitamente pelos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, países imperialistas que, na época, tiveram contrariados poderosos interesses de suas corporações transnacionais.

Contrariando interesses do imperialismo

Entre outras medidas que contrariaram abertamente os interesses imperialistas no Chile e na América Latina, as políticas econômica e social praticadas pelo governo Allende (1970-1973) nacionalizaram as minas de cobre, promoveram a reforma agrária e estimularam, em Santiago e outras importantes cidades do país, como Valparaíso, a formação dos chamados ‘cordões industriais’: organismos controlados diretamente por operários, camponeses e militantes com a finalidade de ‘integrar’ e ‘garantir’ a produção e distribuição de alimentos e produtos básicos numa determinada área geográfica. Nas cidades atuavam ainda os Comandos Comunitários, com funções semelhantes. Além dos cordões industriais, o processo chileno baseava-se na formação das comunidades agrícolas, responsáveis pela discussão, junto aos camponeses, da necessidade de uma reforma agrária controlada pelos trabalhadores, com a produção voltada para as necessidades sociais e econômicas do país, e não para especulação.

Sabotagens e ações encobertas

A reação dos setores empresariais e de direita nacionais e estrangeiros, vinculados ao imperialismo, não se fez tardar.  A produção e o abastecimento das cidades passou a ser constantemente sabotada por locautes (greves patronais) de caminhoneiros e outros setores estratégicos, muitas das quais financiadas diretamente por organizações empresariais e pelo governo dos EUA, através da CIA (Agência Americana de Inteligência e Espionagem) nas chamadas ‘operações encobertas’, ou covert actions’. Segundo o cientista político Moniz Bandeira, em seu livro ‘Formula para o Caos – A Derrubada de Salvador Allende’ (Editora Civilização Brasileira, 2008), essas ‘operações’ também incluíram atentados terroristas e assassinatos. Nos meios de comunicação — a maioria controlada por grandes financistas e latifundiários chilenos — estimulavam-se diariamente críticas histéricas ao governo socialista, algumas pedindo abertamente a intervenção golpista contra Allende.

Unidade Popular e a caracterização do Chile

Produto de uma coalizão de forças progressistas e de esquerda com segmentos pequeno-burgueses e de parte da classe média chilena, o governo de Allende ascendeu ao poder pelo voto e assentava na chamada Unidade Popular (UP), tendo à frente os partidos Socialista e Comunista (liderado por Luis Corvalán), além de organizações como o Movimiento de Ação Popular Unitária (MAPU) e a Izquierda Cristiana (IC). Fora da UP, o tencionamento à esquerda era feito pelo Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR), de inspiração castrista, e por setores do próprio Partido Socialista, liderado pelo Senador Carlos Altamirano, que preconizavam a luta armada para sustentar o governo Allende e fazê-lo avançar no aprofundamento de suas reformas. O pressuposto era o de que o Chile vivia uma situação ‘revolucionária’ ou ‘pré-revolucionária’, marcada pela dualidades de poderes e crescente debilidade das instituições-chave do Estado, como as forças armadas. Na opinião de Moniz Bandeira, este teria sido o ‘grande equívoco’ de compreensão do processo chileno por parte dos setores mais à esquerda da UP, que, segundo o autor, ‘não souberam perceber a diferença entre uma conjuntura de ‘ascenso de massas’ e uma situação efetivamente ‘revolucionária’.  Para Moniz, as instituições básicas do Estado, como as forças armadas, não estavam fracionadas e divididas ideologicamente de forma irreversível, como se supunha à época.

Via Chilena ao socialismo e fracasso de acordo

Uma das principais discussões conceituais e polêmicas que se fazia à época do governo Allende era a da ‘via chilena para o socialismo’, segundo a qual era possível, através de um processo cumulativo de profundas reformas econômicas e sociais, alterar substancialmente as estruturas da sociedade chilena, sem que fosse necessária uma ruptura institucional, como se verifica na forma clássica das insurreições revolucionárias. Esta era a perspectiva da maioria dos integrantes da UP.Três semanas antes do golpe militar, e após mais um locaute de caminhoneiros, Allende tentou um ‘acordo de governabilidade’ com setores da Democracia Cristã (DC), do ex-presidente Eduardo Frei (1964-1970), representante dos interesses empresariais e de parcela expressiva da burguesia chilena, com maioria no parlamento. As conversações, no entanto, fracassaram porque a DC exigiu a reversão de todas as medidas econômicas de caráter popular já implementadas por Allende. A Democracia Cristã passou, a partir daí, a trabalhar ainda mais intensamente no apoio ao golpe.

Erro fatal na nomeação de Pinochet

Em meio à turbulência política, imediatamente após o lockout de caminhoneiros Pinochet foi nomeado por Allende comandante do Exército Chileno, a conselho do general legalista Carlos Prats — posteriormente assassinado pela ditadura, em Buenos Aires —, que o considerava ‘um militar leal’ às instituições. Foi o golpe de misericórdia para o governo Allende. Cada vez mais debilitado econômica e politicamente, o governo foi pouco a pouco sendo minado em sua base de apoio dentro e fora da UP. À direita, pela preparação do golpe em gestação, e que teve em Pinochet, no almirante Merino e na CIA seus principais articuladores. À esquerda, pela perda de autoridade ante processos — como os cordões industriais, as assembléias populares e as comunas campesinas — que já não mais controlava, num contexto de total desorganização da produção. O governo Allende pereceu em 11 de setembro de 1973 sem que pudesse articular uma resistência popular em larga escala.

Neoliberalismo da ditadura

No plano econômico, a ditadura chilena reverteu praticamente todas as principais medidas e políticas nacionalizantes do governo deposto, abrindo a economia do país às multinacionais e estabelecendo relações de total subserviência aos EUA e ao imperialismo. Em certo sentido, muitas das medidas ultraliberalizantes na área econômica, e que posteriormente seriam adotadas em outros países latino-americanos, foram experimentadas inicialmente no Chile de Pinochet.Uma das situações mais absurdas sobre Pinochet foi sem dúvida o fato de o ditador ter morrido em 2006 sem ir a julgamento internacional pelas atrocidades cometidas em seu regime.Como mancha e vergonha na história do Brasil, cumpre lembrar que o governo Médici foi o primeiro do Cone Sul a reconhecer oficialmente a ditadura chilena.

 



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